19 May 2020

em linha recta

Eram quatro e estavam sentados em linha recta, da janela até à porta. Não se mexeram e estiveram com a paciência dos conformados, a deixar o tempo denso a escorrer horas abaixo, sem entusiasmo nem alegria. Ali estavam desde as dez da manhã, não há intervalos nem pausas. Não foi bom ver os meus alunos. Imóveis e de máscara, poupem-me ao lugar-comum de que os olhos são o espelho da alma e que assim se realçam os olhos, aceitámos o infortúnio de regressar a um local onde outrora houve vida. Depois perguntei como tinha sido o primeiro dia e responderam-me 'sem vontade de voltar para o segundo'. A Mara não mexeu no telemóvel, o Ricardo tão longe e recolhido naquele objecto abjecto que mal o senti, a Lina ficou quieta, depois de comer um snack de um tupperware e recolocar a máscara, e a Marta esteve hirta e atenta. Lá fora os nenúfares estavam proscritos com uma fita delimitadora, o caminho ladeado por baias, que ninguém ouse pôr o pé além. Saíram à hora e eu fiquei a pensar que aquilo agradaria certamente a muitos: alunos perfilados, caminho indicado, actividades mortas, a felicidade de ninguém roubar aulas a ninguém, toda a gente sabe que tudo o resto é ruído e só as aulas trazem a luz ao mundo, e de não me atormentarem o sono com alíneas e directrizes estúpidas. Entrar ordeiramente pelo caminho prescrito, despejar 'matéria' e sair. O céu para uns. O inferno para outros. Pobre escola, o que te estão a fazer.

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