31 Aug 2018

paradoxalmente

Há algo de paradoxalmente belo na decadência, ia começar assim, burilei a frase na praia enquanto deixava o manto da decadência do verão cair sobre mim em porções gentis. O sol deixa de estar tão forte, a brisa é diferente. o mar é outro, menos condescente, e o aroma indicia a mudança para um tempo menos estridente, mais suave, mais tranquilo, mais recolhido, mais belo talvez. E depois há as cidades. Veneza e Havana são duas cidades decadentes, e tão belas as duas, uma dignidade teimosa que as faz permanecer altivas, incólumes, como se o ser decadente fosse mais intenso do que o seu tempo de fulgor absoluto. Como as pessoas talvez. Já não sei muito bem o que ia dizer, a frase burilei-a, trouxe-a para casa com os grãos de areia que se esconderam no meu corpo, quando fui tomar duche sacudi-os e com eles a frase. Agora não sei muito bem o que fazer com ela. Há algo de belo na decadência, dizia. O paradoxalmente dilui-se na água do banho. Há algo de belo na decadência.

8 Aug 2018

gata como elas

'Não faço nada deste cabelo' pensei num daqueles dias de canícula endiabrada e 'não fazer nada' é não fazer nada mesmo, um caos de caracóis, uma Medusa indomável. Há mais duas situações da minha vida que me fazem sentir o mesmo: o clima aqui neste pedaço de Oeste, e os gatos. Nenhum deles é controlável. Aprender a lidar com a imprevisibilidade e instabilidade é uma grande escola de vida, e acredito que faz de mim o que sou. Os gatos, por exemplo, não nos amam incondicionalmente de início, nem sei se nos amam incondicionalmente mas é um amor escolhido, vivido, vindo das suas profundezas misteriosas. Quero-te e quero-te agora, pensam de vez em quando, preciso de ti agora, ama-me já. Saltam-nos para o colo e pedem e dão amor, aninham-se em nós, amam-nos de forma única, dão marradinhas, ronronam-nos. Não fazem favores a ninguém, se não querem ser incomodados, mostram-no de forma assertiva, se insistimos, problema nosso, fomos avisados. São profundamente livres, vivem à margem de qualquer julgamento ou crítica, imponentes na sua vontade suprema, prendem-se em silêncios profundos, sornas invejáveis e são belos, graciosos e sedutores.
Cada vez mais tenho a certeza de que de tanto lidar com gatos me tornei um pouco como eles, ronrono de vez em quando, mostro as garras se se aproximarem de mais e a minha grande pena é não ter sornas tão grandes, não ser irremediavelmente bela e sedutora, e não bufar a quem me chateia, ou desviar-me e ir sentar-me noutro lugar. Sabem os deuses quanto e como me apetece. Como a Julieta nessa fotografia aí em baixo. Tenho de praticar mais.