3 Jul 2018


A minha escrita voltou. Sei que voltou porque há pouco enquanto me esticava nas sandálias prateadas para alcançar uma caixa de chocolates negros na última prateleira do supermercado, ela agarrou-se por trás pela cintura no vestido cinzento. O toque subtil na cintura de uma mulher esticada, a braços com a sua pequenez mas na senda de alcançar algo mais alto, não é nunca indelével. Apanhou-me de surpresa claro. Ainda a sacudi, desejei-a muito, é certo, ali não era momento de escrita, porém, um toque mais violento ou desajeitado e poderia desequilibrar-me e lá se ia tudo de novo. A escrita vive de equilíbrios instáveis, mas equilíbrios. Como todas as vontades é teimosa, voluntariosa e não se ficou. Perseguiu-me até à caixa, esgueirou-se e sorrateira acomodou-se no carrinho, entre os alperces e o rosé que estava a bom preço e uma mulher gosta de bebidas rosadas. Anda por aí à solta, cansou-se do rosé e está muito calor no carro. Querida, escrita, minha deseja e amada escrita, esperas um bocadinho?


O meu dia começa como acaba: sem lentes e sem óculos. Sou míope, nos dias que correm presbíope, deve existir, se não existir acabei de lhe dar existência, quando estou com óculos para a miopia. Podia dizer que tudo ataca uma mulher com a idade. Olhar-me-iam com piedade, teceriam uns comentários e eu abanaria a cauda feliz, não se sabe se evocaria o meu vestido vermelho, por esta hora objecto mítico ou místico, mas não é verdade. A única coisa que ataca uma mulher com a idade é a gravidade, tudo o resto é mito, ou quase, como o vestido. Não digam, não abano a cauda e volto ao motivo inicial desta escritura: os olhos, ver, ausência de visão num sentido amplo e lato, um mal que ataca o mundo, e que continua a inquietar-me. Neste preciso momento, o meu dia já começou e estou sem óculos. Olho para o relógio e o tempo, esse que nos aguarda sempre implacável, urge e espera-me. Penso 'bem, está na altura de ver o mundo com outros olhos'. Parece-me uma boa decisão para o dia de hoje: ver o mundo com outros olhos. Vou pôr as lentes.

1 Jul 2018


Uma mulher acorda de manhã e pensa, não pensa logo, esta que vos escreve é completamente inútil, um ser à deriva no mundo, perdida nos braços de Morfeu, quando o despertador toca, mas para o efeito e para este post correr bem, partamos do princípio que acorda, dizia eu, e pensa. Olha o tempo lá fora, vê sol, outro engano, e decide feliz da vida 'vou vestir um vestido vermelho'. É razão suficiente para felicidade, bom tempo e um vestido vermelho no mesmo post. Toma duche, hidrata-se, deixa o vestido vermelho percorrê-la num abraço breve, perfuma-se, e desce para o mundo, já de vestido vermelho, sandálias por certo. altas com toda a certeza. Há sol e bom tempo, vê a tarja de mar pela janela da cozinha enquanto prepara o pequeno-almoço e minutos depois está pronta para enfrentar o universo que lhe parece, aos primeiros passos decididos, um lugar sorridente e recomendável, vá-se lá entender o poder terapêutico de algumas peças de roupa e do mar lá longe, esse será mais fácil de entender.
Isto tudo é muito certo, o problema principal é que nem tudo se resume a vestidos, vermelhos ou de outra cor, sol e calor também não temos, mas temos um evento à nossa espera. Coisa do demo, gente velha e muito velha, queiram os deuses do metal que o vetusto ser não sucumba hoje, já me chegou o Axl Rose sentado que nem o Jabba the Hutt, e para o qual me pergunto a pergunta de sempre das mulheres aflitas, não me lixem agora com igualdade de género: O QUE É QUE EU VOU VESTIR?