Enquanto desfiz a minha árvore de
Natal escrevi um texto. Escrevo muito nas alturas mais inusitadas. Escrevo
geralmente quando não tenho intenção de o fazer. Escrevo quando conduzo,
escrevi muito nos anos em que o caminho me levava até à FCSH. Este texto que
agora me fugiu era algo sobre as camadas da árvore, primeiro guardei o anjo,
depois a guirlanda branca, depois as bolas, e a árvore apresentou-se nua à
minha frente. Uma espécie de metáfora da própria vida em que nos vamos despindo
dos artifícios até ficarmos nós mesmos, nus perante nós, uma nudez pura que se
revela enquanto envelhecemos, a mais bela e genuína. O texto não era este.
Estava bem escrito, chegava à metáfora sem sequer falar nela, era eu aquela
árvore, cada vez com menos ornamentos, cada vez mais eu, mas fugiu-me. Ainda o
tentei agarrar pelo cachaço, nunca pela cauda, os textos não gostam que lhes
peguem pela cauda, mas era demasiado tarde e escapou-me definitivamente por
entre as mãos.