26 Jun 2020

Flamingos

Acordo ainda sem o despertador tocar, abro a janela e a portada e cheiro a manhã, o azevinho tem gotas de orvalho e há pássaros felizes, se calhar são rouxinóis ou cotovias, que sei eu de pássaros e de tudo neste quase verão e nisto, que nome terá isto? O último dia de aulas chegou e apenas e só por uma questão de autodefesa e sanidade mental tenho uma leveza e um alívio em mim que decido pôr o vestido de flamingos. Deslizará sobre o meu corpo mais tarde. E saltos. Preciso de umas sandálias altas, perfume e quase podia pôr um anel. Não ainda. Quase esqueço que não levei a Luzinha ao Hard Rock, que não fomos à Quinta do Mocho, nem ao MAAT nem ao Museu Berardo, nem a Dublin, e que tudo se transformou em quadrículas com nome de gente. Que não posso corresponder à Catarina 'tenho tantas saudades suas e dos seus abracinhos'. Que caso a Marina precise de mim para chorar não estarei lá e chorar sozinho é cruel e frio em qualquer idade. Que lhes falhei um bocadinho e lhes faltei. O Joel também nunca mais descansou o rabo de cavalo nos seios rotundos da Belmira e nunca mais ninguém reclamou das rãs e de um pouco de tudo e de nada. O despertador toca. Este podia ser um dia bonito. Vou vestir o vestido de flamingos.