12 Sept 2020

Silêncios e ausências

 Diz-se que não há nada mais certo do que o fim da linha, e que a morte faz parte da vida. Se assim fosse aceitá-la-íamos com serenidade e a ingenuidade de que nos fazemos estrelas, e que um dia nos encontraremos lá nesse poético inexistente local etério. Arranjamos panaceias para a ausência que nos esmaga e corrói por dentro, não sofreu, chegou a sua hora ou não sofre mais. E nestes momentos de terrível solidão, a morte traz-nos sempre solidão, somos nós sozinhos a braços com o vazio óbvio de estar e já não estar, como dizia Saramago, encontramos conforto mesmo momentâneo de quem nos acompanha e está, a dicotomia ausência/presença num talvez paradoxo vida e morte. Presença na ausência e vida na morte. As palavras confortam, um telefonema, uma mensagem relembram que alguém se lembrou de nós mas não há nada que substitua um abraço e a presença física. Perduram sempre. Sinto ainda os abraços e a presença de quem me acompanhou na partida do meu pai, de quem me disse 'estou aqui' em momentos de escuridão. Este malfadado ano de 2020 levou as mães de amigos meus. Primeiro o telefonema em lágrimas, as minhas também, depois o meu telefonema para substituir o abraço, e hoje mais uma vez, abraços pelo telefone, não sei bem como se faz, dizem-se coisas desajeitadas, soltam-se palavras desengonçadas,  quando nos apetece ir ter com os amigos e estar lá, estar presente, dar um abraço, dois, chorarmos juntos se chorar nos apetecer ou apenas estar e partilhar silêncios. Não fiz nada disso. Fiquei quieta em casa, a tentar que o meu abraço chegasse na distância, e só há tristeza, e uma enorme impotência. Há quem ache que o Covid é uma oportunidade de balelas alternativas de crescimento e mudança, do universo a rejenerar-se e a natureza armada em Greta a dar-nos uma reprimenda punitiva pelo desleixo e incúria. Só lhe encontro solidão, tristeza, miséria e dispenso as lições de moral. Deve-me todos os momentos em que não pude estar presente e abraçar os meus amigos, e isso não é crescimento nem oportunidade. É uma imensa devastação. Um dia dar-lhes-ei estes abraços, sei, chegarão sempre tarde, não obstante.

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