Isto hoje estava quase para começar bem: um fim de noite à lareira, a ouvir crepitar os restos de um dia inquieto, uma noite descansada e bem dormida, e eis que se me apresenta 'um dia novinho em folha a estrear', e cito, esta frase não é minha, ouvi-a algures e parece-me muito bem. Estava cinzento e húmido e a opção de ensino não presencial pareceu-me quase bem: estou em casa, confortável, sem máscara, no silêncio que bebo em cascata, e quase parecia feliz. Às 8.15 começo a ligar-me à aula, ligo o Meet, espero que cheguem, e aí vêm eles, meio ensonados e ainda tímidos. Finalmente consigo ver rostos inteiros e pessoas e dou-me por muito feliz. Isto foi antes de eu começar a ver as caras desaparecerem, as vozes a ficarem entrecortadas e eu entrar discretamente em desespero e a perguntar 'estão-me a ouvir, meninos?’ ‘Agora estamos, mas a stora desapareceu.’ Segundos mais tarde a Libânia ficou suspensa na atividade de apresentar um objeto começado por B, depois foi o Quitério que conseguiu apresentar o segundo objeto que era um presente e também era começado por B porque era um 'book' e era o 'Erro de Descartes', e ainda tive tempo de lhe ensinar que o p é mudo em psychology e psychological e por aí fora, e estava em enlevo por um miúdo de 15 anos andar a ler o Damásio, o mesmo que num dia explicou tranquilo e carismático que pai e mãe já tinham sido vacinados e a turma comentou ‘parecias um político agora’ e político era homem bem-falante e falado de discurso escorreito e claro, que se esclareça o que é de esclarecer. Depois eles fugiram todos. Começaram por ficar bolas com iniciais e a seguir o ecrã avisou-me que tinha sido desconectada mais ou menos ao mesmo tempo de ouvir o roncar do corta-relva, e insistiu tanto que talvez pudesse haver relva no asfalto ou nos muros, a erguer-se pelos céus. Por esta altura eu tinha voltado ‘olá, meninos, voltei’, a Catilina mostrou o cão como ‘something that makes you happy’, e o Firmino o violino, sabia lá eu que o Firmino tocava violino, mas também não sabia que o Quitério lia o Damásio, ainda que não me surpreendesse que a Alina estivesse a ler ‘a subtil arte de dizer que se f*da’, nunca é tarde para aprender a subtileza. E foi tudo isto com o ronco em crescendo do corta-relva, santa ingenuidade, um corta-relva. Estávamos já na página 58 do textbook quando com a net a deslaçar-se, o corta-relva no auge e um alvorço de vozes e motores, dei por terminada a sessão síncrona do dia onze do mês de fevereiro de dois mil e vinte e um. Lá fora, duas árvores tombavam calculadamente entre indicações e instruções, diz que estavam podres, tinham de ser abatidas, só não perguntei se tinha mesmo de ser hoje, dia onze do mês de fevereiro de dois mil e vinte e um, logo quando o Quitério disse psychology e eu lhe relembrei que o p era mudo.
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