'Não faço nada deste cabelo'
pensei num daqueles dias de canícula endiabrada e 'não fazer nada' é não fazer
nada mesmo, um caos de caracóis, uma Medusa indomável. Há mais duas situações
da minha vida que me fazem sentir o mesmo: o clima aqui neste pedaço de Oeste,
e os gatos. Nenhum deles é controlável. Aprender a lidar com a
imprevisibilidade e instabilidade é uma grande escola de vida, e acredito que
faz de mim o que sou. Os gatos, por exemplo, não nos amam incondicionalmente de
início, nem sei se nos amam incondicionalmente mas é um amor escolhido, vivido,
vindo das suas profundezas misteriosas. Quero-te e quero-te agora, pensam de
vez em quando, preciso de ti agora, ama-me já. Saltam-nos para o colo e pedem e
dão amor, aninham-se em nós, amam-nos de forma única, dão marradinhas,
ronronam-nos. Não fazem favores a ninguém, se não querem ser incomodados,
mostram-no de forma assertiva, se insistimos, problema nosso, fomos avisados.
São profundamente livres, vivem à margem de qualquer julgamento ou crítica, imponentes
na sua vontade suprema, prendem-se em silêncios profundos, sornas invejáveis e
são belos, graciosos e sedutores.
Cada vez mais tenho a certeza de
que de tanto lidar com gatos me tornei um pouco como eles, ronrono de vez em
quando, mostro as garras se se aproximarem de mais e a minha grande pena é não
ter sornas tão grandes, não ser irremediavelmente bela e sedutora, e não bufar
a quem me chateia, ou desviar-me e ir sentar-me noutro lugar. Sabem os deuses
quanto e como me apetece. Como a Julieta nessa fotografia aí em baixo. Tenho de
praticar mais.
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