17 Feb 2019

Dia de São Valentim


Vinham todos com sono. O Ramiro também vinha com sono mas isso não o impediu de proclamar alto e bom som em medida profilática contra perguntas indesejáveis 'setora, estamos todos solteiros!'. Alguém reclamou flores e chocolates. A professora declarou 'as flores murcham e os chocolates comem-se, esqueçam isso', rematando que ali e à mão de semear só tinha abraços. Encolheram os ombros e continuaram a reivindicar flores e chocolates, quem, mas quem é que oferece abraços se se podem ter 'coisas'? Não havia chocolates, muito menos flores, o melhor era reconciliarmo-nos todos com a triste realidade de só haver abraços e de só nos termos uns aos outros, noventa minutos de língua estrangeira pela frente, e começarmos a aula. A professora pensou como havia de remediar esta míngua de namorados, flores e chocolates, logo hoje, precisamente hoje, e declarou, após jorrar umas banalidades sobre o amor e o consumismo 'que disparate, meninos!' transformado em peluches e rosas vermelhas de cetim a cheirar a puta, a professora não disse puta, a professora não diz puta, que poderiam fazer um kahoot sobre o dia de São Valentim. O Ramiro concordou e aliou-se à Miquelina ao seu lado. A Daniela mudou-se para o lado da Luciana. A Capitolina e a Estrela, o único par da turma, entricheiraram-se atrás dos cabelos longos e esquálidos da Marcenda, como sempre, sabemos todos como o amor pode ser rotineiro. Por esta altura, o Vitorino já  tinha resurgido qual Fénix por trás do Ramiro, e o Eliseu declarara mais uma vez a sua irremediável solidão de fêmea. Faltava o código, um nick name, que caminho tão fácil para a felicidade afinal, e durante os minutos seguintes, as citações do amor, os filmes do amor, a ciência do amor e as canções do amor em forma de questionário fizeram esquecer a ausência de flores e chocolates, essa solidão que se infiltra em nós como a nuvem indelével de humidade em dias de invernia pegajosa. Houve risos e exclamações de espanto, súplicas para não parar, barulhinhos de satisfação, a Miquelina entoou com sentimento o refrão  de uma canção de amor requentada, e quando pelas dez horas soou o alarme já não se falava de chocolates e flores, nem sequer da sua ausência, ou de ausências sequer.  Parece fácil. O amor devia ser fácil assim.

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