Vinham todos com sono. O Ramiro
também vinha com sono mas isso não o impediu de proclamar alto e bom som em
medida profilática contra perguntas indesejáveis 'setora, estamos todos
solteiros!'. Alguém reclamou flores e chocolates. A professora declarou 'as flores
murcham e os chocolates comem-se, esqueçam isso', rematando que ali e à mão de
semear só tinha abraços. Encolheram os ombros e continuaram a reivindicar
flores e chocolates, quem, mas quem é que oferece abraços se se podem ter
'coisas'? Não havia chocolates, muito menos flores, o melhor era
reconciliarmo-nos todos com a triste realidade de só haver abraços e de só nos
termos uns aos outros, noventa minutos de língua estrangeira pela frente, e
começarmos a aula. A professora pensou como havia de remediar esta míngua de
namorados, flores e chocolates, logo hoje, precisamente hoje, e declarou, após
jorrar umas banalidades sobre o amor e o consumismo 'que disparate, meninos!'
transformado em peluches e rosas vermelhas de cetim a cheirar a puta, a professora
não disse puta, a professora não diz puta, que poderiam fazer um kahoot sobre o
dia de São Valentim. O Ramiro concordou e aliou-se à Miquelina ao seu lado. A
Daniela mudou-se para o lado da Luciana. A Capitolina e a Estrela, o único par
da turma, entricheiraram-se atrás dos cabelos longos e esquálidos da Marcenda,
como sempre, sabemos todos como o amor pode ser rotineiro. Por esta altura, o
Vitorino já tinha resurgido qual Fénix
por trás do Ramiro, e o Eliseu declarara mais uma vez a sua irremediável solidão
de fêmea. Faltava o código, um nick name, que caminho tão fácil para a
felicidade afinal, e durante os minutos seguintes, as citações do amor, os
filmes do amor, a ciência do amor e as canções do amor em forma de questionário
fizeram esquecer a ausência de flores e chocolates, essa solidão que se
infiltra em nós como a nuvem indelével de humidade em dias de invernia
pegajosa. Houve risos e exclamações de espanto, súplicas para não parar,
barulhinhos de satisfação, a Miquelina entoou com sentimento o refrão de uma canção de amor requentada, e quando
pelas dez horas soou o alarme já não se falava de chocolates e flores, nem
sequer da sua ausência, ou de ausências sequer.
Parece fácil. O amor devia ser fácil assim.
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