O professor Vladimiro estava
sentado na primeira mesa do lado esquerdo. O professor Carolino estava sentado
na segunda mesa do lado esquerdo que partilhava com o professor Benedito, que
por seu lado ombreava comigo sentada na terceira mesa do lado esquerdo. Como
isto começou não sei muito bem mas terá sido quando o Carolino disse que
gostava muito de comida tradicional portuguesa e que lhe sentia a falta quando
estava fora de portas. Daí até às alheiras foi um salto. O Benedito é mestre
nesta arte de bem fazer alheiras e partilhou com o Vladimiro, com o Carolino e
comigo alguns segredos da preparação das mesmas. Seguidamente a conversa rumou
às variações de alheiras. Por esta altura a Floribela já estava sentada na
outra mesa, lugar que ocupou depois de trocar umas palavras de queixume vocal
sobre a razão de se encontrar a Oeste, ou lá o que isto é. O Vladimiro
comunicou que já tinha comido alheiras de cogumelos, imagine-se. O Benedito
reclamou a tradição nas alheiras 'até já há de bacalhau' e 'o judeu que inventou
as alheiras deve a estar voltas na cova'. Alguém proclamou 'deviam chamar-lhe
outra coisa, mas alheiras não' . Eu concordei, concordámos todos e deliberámos
unânimes nesta assembleia reunida impromptu 'chamem-lhe outra coisa!' A
Floribela também concordou e quando nos recolhíamos das alheiras e passávamos
para o pão-de-ló, desprendeu-se algo do íntimo da Floribela que a impeliu a
afirmar 'é como um casal.' 'Para mim é macho e fêmea!' proclamou ufana enquanto
assassinava impiedosa um pastel de massa tenra que nada disse em sua defesa e
foi deglutido sofregamente. E não era de bacalhau. O que se passou a seguir
ficou suspenso na estupefacção do Vladimiro, sentado na primeira mesa do lado
esquerdo, do Carolino sentado na segunda mesa do lado esquerdo e do Benedito,
que por seu lado ombreava comigo sentada na terceira mesa do lado esquerdo.
Reclamei, nesta altura senti as pontas dos caracóis ruivos a chamuscar de
furores, o Carolino diz que fiz uma entrada a pés juntos ' um casal é um casal,
macho com macho, fêmea com fêmea, macho com fêmea. É igual'. A Floribela não se
deu por achada e continuou a afirmar a
sua convicção de nem alheiras de bacalhau nem macho com macho nem fêmea com
fêmea. Saiu arrastando consigo o manto rançoso do preconceito, que me apressei
a pedir para limpar 'tragam a esfregona que isto não se aguenta' e 'abram as
janelas que não se pode com o cheiro' antes que mais alguém se estatelasse na
sua própria homofobia de alheiras de bacalhau e ficámos todos suspensos
inquirindo como raio se passa de alheiras a machos e fêmeas e casais. Era eu, o
Vladimiro, o Carolino e o Benedito.
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