11 Dec 2019

16.50

Cheguei às 8.30. O Jaime disse que o pensamento lhe surgia primeiro em imagens e que só depois se cobria de uma língua e de palavras, foi isto depois de a Violeta perguntar em que língua é que eu pensava. E depois falaram de religião, então és agnóstico, disseram ao Jaime, e a Catarina depois também relatou que a avó tinha chorado quando ela disse que não acreditava em Deus. Partilharam ainda palavras sobre David Hume, e o 'Evangelho segundo Jesus Cristo', e o Jaime também disse lá pelo meio que 'o xadrez na sua simplicidade e complexidade é uma boa metáfora da vida'. Por esta altura eu acabara de escrever o sumário e adentrávamos o mistério insondável de uma língua que remete para o fim das frases a acção de humanos e de tudo, como se fazer fosse a última coisa que fizéssemos.
A Clara mostrou-me a camisa tigresa e disse 'stora, estamos iguais. Eu adoro padrão tigresa' e estávamos, com uns quase 40 anos de diferença, mas o tempo é o que fazemos dele, e neste tempo entraram professora e aluna, tigresas que nem elas.
Um metro e meio de inteligência e atitude proclamou que os heterónimos faziam cosplay uns dos outros. Também disseram que iriam mascarados de Fernando Pessoa e heterónimos, para o Carnaval, uma disse 'eu vou de Bernardo Soares porque tenho muito desassossego' e perguntaram como é que o Alberto Caeiro não acreditava em Deus, porque só acreditava no que via, eu soltei 'o meu olhar é nítido como um girassol' e eles afirmaram que Kant não devia gostar nada de Fernando Pessoa nem Nietzsche, ao que perguntei 'mas como é que vocês sabem pronunciar Nietzsche assim?' E depois falou-se de Descartes, ao que disse 'miúdos, eu não sou vossa professora de Português' e eles disseram 'a stora é nossa professora de tudo!' e começamos a aula.
Depois a Gabriela estava a falar baixinho com o Daniel e eu perguntei o que era e a Gabriela respondeu que era o Fernando Pessoa e que o Daniel se tinha emocionado com o 'Menino de sua mãe' e contou-me que era o poema preferido da avó. O Daniel sorriu com os olhos, um sorriso só suplantado pelo sorriso do coração, e ele também sorri com o coração. O Jaime disse que era tão altruísta que não ia jogar para deixar os outros ganhar e os outros riram-se, bem satisfeitos com o feito do Jaime, e suplicaram mais uma vez que eu os levasse a algum lado no Natal. Por fim respeitaram cega e literalmente a minha ordem 'Não mexam nos testes' quando o que eu queria dizer era 'Não mudem as porras das versões dos testes do lugar'. Eram 16.50 quando saí. Chovia

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