29 Dec 2019

Ou assim

Enfio-me numas leggings do ginásio, uma t-shirt e umas havaianas, não há sofisticação que resista a uma mulher que se deita a trabalhos domésticos. Subo as escadas. Primeiro a portada, depois a janela e depois um dia de sol radioso que se abre à minha frente, e o mar lá ao fundo, azul, numa tarja generosa e luminosa. Piso-o, armada de uma vassoura e detergente, e penso que foi por causa daquela vista e o engano de dias ao sol com um livro, ou um copo de vinho branco gelado em noites de lua cheia naquele terraço que me apaixonei por esta casa. E penso quando o sinto debaixo de mim, dos pés quase nus neste dezembro inusitado, és como um homem belo e sedutor, não há quem te resista, e tal como um homem belo e sedutor mais dia menos dia vai dar merda e lágrimas e tristezas e coisas assim. E tu és isso mesmo, primeiro o convite, a sedução do belo, o apelo à tranquilidade e a ilusão de liberdade naquele pedaço de mar que me guia e me chama lá do fundo. Mais dia menos dia começaste a dar problemas, e quantos. Hoje quando lá fui acima feita mulher de trazer por casa, chamaste-me outra vez, mas eu sei que mais dia menos dia vais dar problemas outra vez. É sempre tudo e só uma questão de tempo. E de chuva. Arrumo o texto no bolso interno das leggings e desço a correr, está a estrebuchar junto ao fígado, e a dar-me pontapés na barriga. Ainda bem que só escrevo sobre terraços. Imaginem se me dava para escrever sobre o amor, a morte, o sentido da vida ou  assim.

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