2 Apr 2020

Do fim dos dias


Lá fora a hera parece crescer, as hostênsias têm folhas verdes brilhantes, e os limoeiros estão prenhes de pontos amarelos que antevejo e quase sinto rugosos nas minhas mãos ásperas. Quase e parecer. Incertezas e incógnitas. A casa está quieta, janelas fechadas, a porta verde da garagem fechada por onde um dia vi entrar o padre de paramentos e alguém me avisou 'olha, está alguém para bater a bota naquela casa' tanta pompa só podia ser extrema-unção, e nós, indiferentes ao calendário lá fora, só o mesmo senhor desde há dois milénios anos tinha morrido, e desta vez morrera outra vez. Tira o primeiro e põe uma vírgula, ouço, a Ruiva espreita pela janela, o perfume do chá espalha a sensação fictícia de calma. Envia para o emai, ouço outra vez, ou esmai, sei lá eu destes acrónimos e da vida, vou-te mandar, alguém diz, a hera brilha agora com o sol que vai baixando. A casa continua quieta e ouço o suspiro de alguém que se esqueceu de desligar o microfone. O Franciscano é antes do Riacrdino. Juntas pargrafos. 8388, falta o p, ‘pera aí. Isto fui eu que escrevi, alguém discorda e discutem-se palavras no limiar do tempo. Fala-se de sentido de humor. A hera perdeu o brilho e o aroma do chá diluiu-se neste fim de tarde do fim dos tempos. Põe c e tira a vírgula. Falta um ponto final no primeiro parágafo. Prática simulada, alguém acrescenta, posso continuar, perguntam. Podemos todos continuar. O sol abriu entretanto, ressoa no cortinado alvo da esquerda, a casa amarela continua quieta de janelas e portas verdes fechadas, os limoeiros dançam ao ritmo do vento. Passa uma mulher magra deglutida na esquina da casa quieta. O sol escondeu-se outra vez e a Julieta aparece na porta. Tenho os pés frios. Dias assim agora.

No comments:

Post a Comment