8 Apr 2020

fora de portas


Se tivesse de viver de enlatados, congelados, massa e arroz, viveria, a tudo nos habituamos, e aí vem adversativa, mas não temos ainda, não tenho e como tal lá me aventurei mais uma vez fora de portas no encalço de fruta e legumes. Primeira paragem: mercearia da aldeia. Estavam a chegar brócolos, havia grelos de couve e de nabiça, agriões, salsa e coentros, espinafres, tudo à porta para apanhar a brisa dos dias, duas ou três pessoas esperavam cá fora, só entra uma pessoa de cada vez, e já tinha desaparecido a mulher do cabelo esticado que bufava a cada minuto de espera naquele dia de sol, um outro, tanta impaciência que tive vontade de lhe lançar o meu olhar soviético. Lá dentro uma mulher de cabelo todo branco e modos lentos a quem eu me arrependo de não ter perguntado se precisava de alguma coisa, em vez de começar ouvir em surdina o povo a 'deslargar' impropérios ao raio da velha que anda na rua, sim, os velhos, raios os partam FIQUEM EM CASA, crl!, depois saí com o saco transbordante de morangos a perfumar a rua e o dia, e a mercearia lá ficou no seu remanso. Segunda paragem numa grande superficie, desinfectei-me à entrada, já me tinha desinfectado quando saí da mercearia, e continuei cheia de cuidados e receios, a mulher atrás de mim na fila trazia ao colo as compras, por apurar ficará se por preguiça ou precaução, e quase juraria que estava demasiado perto, não que o visse, mas sentia a presença ameaçadora da mulher, xô, cinco centímetros para trás, vá!, sois todos prevaricadores até prova em contrário. E por fim, farmácia, estava perto, fui até a pé, graças aos deuses ninguém me mandou para casa naqueles 100 metros,e não havia varandas, já o farmacêutico bem parecido cumpriu o seu dever escrupuloso quando lhe pedi uma daquelas mistelas naturais para o sono e que ele assumiu como um perigoso preparado químico 'está habituada a tomar isto?' estava sim, senhor, acrescentei um 'infelizmente, ar de coitadinha dá sempre jeito e eu tenho tanto por usar que resolvi dispensar-lhe uma porção, e também lhe ocultei que num dia de aflição sozinha no carro à porta da farmácia emborquei cinco balas de valeriana para conter infelicidades teimosas que ainda se riram de mim e continuaram ufanas como cauda de gato persa no ar. Meti-me no carro, deixei as compras à minha mãe, por dar ficaram todos os abraços e beijos à minha pequenita, e eu debaixo do fogo aberto dos pides de varanda  consegui chegar a casa. Sã e salva.Ufa.

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