16 Jul 2020

Espera

Sento-me no lambril com os pés nus na relva à espera da brisa. Espero. Talvez seja ela que vem lá ao longe, ouvi-a passear-se nos pinheiros ou talvez no canavial, ainda não aprendi a linguagem das árvores, talvez seja. O corpo denuncia o calor, abandonado e livre das amarras do dever do decoro social. Estendo as pernas nuas e interrompo o silêncio com o restolhar da relva. Há um cão de ladrar agudo que reclama lá longe. Se calhar, podia estender-me na espreguiçadeira e sonhar os sonhos perdidos ou captar vontades e espíritos que a noite larga quando apaga o dia, enquanto espero. Soubesse eu de estrelas e planetas e saberia o que é aquilo que brilha sobre a copa dos pinheiros, se tivesse óculos saberia se é uma estrela ou um planeta mas a noite quer-se terna e ver de mais não ajuda ao apaziguar das almas. Sem lentes nem óculos sei do aroma da humidade sobre a relva e sobre as hidrângeas, sei do estio que se abateu sobre o mato seco, sei da hortelã. Espero. Não vem. Quase parece um amor perdido. Não espero mais. Boa noite. Que noite boa. Cala-te, cão.

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