10 Oct 2020

 É domingo, estou estendida no sofá. Tenho uma calmaria por este corpo fora incapaz de irritações ou aborrecimentos, ouço a minha respiração ritmada e levemente audível, podia ser a Julieta a ressonar, mas não, é o meu corpo que ronrona na tranquilidade de mim. Espreito o que vai por aqui. Tanta amargura, tanto mal-dizer, tudo tão negro, tantos palpites sobre uma doença que nos traz cativos e sobre o qual todos sabem tanto que é surpreendente como não são galardoados com o Nobel de tudo saber e sobre tudo palpitar, criticar, vociferar. A máquina da louça gorgulha e ronca, soubesse eu entender-lhe a linguagem e talvez estivesse também ela sonoramente a manifestar-se contra o uso de máscara, o não uso de máscara, a China e o Trump, os números do Covid, da Sars-Cov2, das zaragatoas, do SNS, dos malandros dos professores, o Costa, da vida  dos outros. 

Todos os dias me faço à estrada e entro na escola, encontro colegas e amigos à distância, dou aulas aos meus alunos, rio-me com eles, ouço-os. Nunca o conseguiria fazer se estivesse prenhe de tanta amargura, maledicência, desalento e medo. Nem sequer viver e sei que mais  tarde ou mais cedo o meu corpo, eu mesma, se viraria contra mim. É domingo. Podia ser segunda. Não tenho espaço para apocalipses nem paciência para sabedoria superlativa sobre tudo e nada. Há sol lá fora. Não faço nada aqui.

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