4 Oct 2020

365 dias do gato

 

Hoje é o Dia do Animal, eu diria que este foi o ano do animal, o ano do gato cá em casa e em mim. Começou no fim do ano passado com uma gatinha branca linda e sedutora que nunca largou esta casa e a vizinhança. Ainda me convenci de que tinha dono, apareceu uma ou outra vez escovada, ou então foi mesmo wishful thinking ou negação, o que tenho em clarividência tenho em negação e tudo pode acontecer, abandonar um animal está entre o que mais odeio e desprezo num ser humano, talvez me protegesse da crueldade de deitar fora um animal. Ela era dócil e muito habituada a humanos. A Lolita, por seu turno, começou lentamente a acusar o peso dos mais de dezasseis anos, chegou pela mão dos meus pais e pela paixão imediata da minha mãe por aquele bicho que achei tão estranho, nunca tinha visto uma tartaruga, e que ela escolheu como nossa com o coração. Nós sentimos que este seria o último ano da Lolita, só não sabíamos quando. A Conchita, assim foi baptizado aquele pedaço de doçura e sedução de pêlo farto, ficou prenha do Juvenal, o gato não residente e obviamente acarinhado e alimentado por nós, e confiou e confiou-me o cuidado de quatro adoráveis gatinhos bebés que reconheciam a minha voz muito antes de abrirem os olhos. Logo a mim, rapariga nada ligada à maternidade e a quem seres pequenos fazem muita impressão, detesto sentir que alguém depende de mim. Os Conchitos eram lindos e doces mas não seriam meus, e, portanto, foi emocionalmente um desafio não me poder amarrar ao Miguelinho, à Amélie, ao Tomé e à Nikita mas também soube, sempre soube se for honesta comigo, que era tarde de mais quando entre lágrimas os entreguei um a um aos meus amigos que foram tão generosos e os acolheram e amaram, e amam. Era demasiado tarde para o conseguir fazer com a Conchita também. Quem tem animais sabe: a cumplicidade, a intimidade, os pedidos de ajuda e a confiança ficam tatuadas na nossa alma, o coração é sempre o mais fácil de convencer. A Lolita começou a piorar, restou-nos reforçar todo o amor que tinha sido uma constante ao longo dos dezasseis anos e meio, o carinho imenso de quem nos ajudou, e a quem estarei eternamente grata, a acompanhá-la na partida. Deixámo-la adormecer ali no sofá da sala, ela assim decidiu, estava tranquila,  aconchegada, e fui-a sentido afastar-se. Quando a pontinha do rabo deixou de reagir como sempre tinha feito ao meu 'Lolita' deixei-a aconchegada, e adormeceu para sempre. Neste equilíbrio de forças entrou a Conchita com compreensível apreensão da Ruiva, da Julieta e da Clarinha, há bufadelas e rosnadelas, nesta nova realidade cá em casa.  Todos os dias da janela da cozinha vejo florescer a planta que colocámos sobre o sítio onde eu e o Hélder deixámos  com as nossas mãos a nossa eterna Lolita, numa quase madrugada do último dia de Agosto.
A esta hora pensarão o de sempre, mas falas assim de gatos? Os gatos têm sempre o melhor de mim: não me julgam, são verdadeiros e transparentes, não fazem concessões hipócritas, amam-nos sem a obrigação da fidelidade, amam-nos porque nos amam, como eu entendo o amor. São uma experiência estética e sensual, passeiam-se de caudas no ar sem falsas modéstias, e exibem o seu charme sem pudor. Se calhar podíamos aprender algo com os gatos ou amar simplesmente. É mais do que suficiente.

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