O meu dia começa como acaba: sem
lentes e sem óculos. Sou míope, nos dias que correm presbíope, deve existir, se
não existir acabei de lhe dar existência, quando estou com óculos para a
miopia. Podia dizer que tudo ataca uma mulher com a idade. Olhar-me-iam com
piedade, teceriam uns comentários e eu abanaria a cauda feliz, não se sabe se
evocaria o meu vestido vermelho, por esta hora objecto mítico ou místico, mas
não é verdade. A única coisa que ataca uma mulher com a idade é a gravidade,
tudo o resto é mito, ou quase, como o vestido. Não digam, não abano a cauda e
volto ao motivo inicial desta escritura: os olhos, ver, ausência de visão num
sentido amplo e lato, um mal que ataca o mundo, e que continua a inquietar-me.
Neste preciso momento, o meu dia já começou e estou sem óculos. Olho para o
relógio e o tempo, esse que nos aguarda sempre implacável, urge e espera-me.
Penso 'bem, está na altura de ver o mundo com outros olhos'. Parece-me uma boa
decisão para o dia de hoje: ver o mundo com outros olhos. Vou pôr as lentes.
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