Não me surpreendi porque havia um
vidro de permeio e a ideia de ver o mundo lá em baixo meio desfocado na
vertigem de janeiro, o meu odiado janeiro, pareceu-me ilustrativa do meu estado
de alma lá pelas 10.30 de ontem. Pelas 17.10 de ontem também o sol brilhava no
ocaso através da janela do ginásio, nesse momento a vertigem de janeiro
tinha-se dissipado ou afastado, havia um pôr-do-sol exuberante que me acenava
no horizonte e quando lhe apontei o telemóvel tinha uma imagem sem contorno,
uma imensa esfera rubra que não se deixava ver com nitidez. Numa altura de
focos e focados e focadas, o meu telemóvel perdeu a capacidade de focar e de se
focar, ao contrário, primeiro focar-se e depois focar. Esta é pois a melhor
altura para estar ao meu lado: não há tentações de fotografar quase tudo o que
vejo, dependendo do sítio onde vejo, e quando quero ver, quero ver tudo. Um par
de olhos e um par de lentes de contacto HD presbiopia não me chegam. O japonês
que vive dentro de mim e com quem tenho contendas frequentes recolheu-se,
parece-me estar sentado ao lado da minha solidão, tenho um desconforto do lado
direito quem desce que só pode ser isso. A minha própria mãe, no seu jeito
muito próprio, afirmou ao saber do sucedido 'ah estás desgraçada agora' e só
não se riu de mim porque andava às bolas coloridas ou a colher butternut
squash, que, como se sabe, são mais importantes do que um telemóvel
desgovernado e demente. E é isto. A partir de agora por tempo indeterminado só
haverá palavras, o meu Instagram estará a viver de throwbacks, que são como a
feira da Malveira, só à quinta-feira e eu apenas de olhares. Queiram os deuses
que eu não perca a capacidade de focar.
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