18 Jul 2019

Amanhã


Muitos rostos, muitos sonhos, muitos cansaços, muito amor e desilusão. Sentam-se todos à nossa frente nesta vida de ser professor. Umas vezes recolhemo-nos no conformismo de se ser adolescente, há-de passar, foi um momento mau, mas não pode ser, fale com ele ou ela, sim? e às vezes penso que também já fomos todos um bocadinho assim, mais coisa menos coisa, adolescentes, tolos, intempestivos. Não o seremos ainda? Assinamos papéis para atestar sabe-se lá a quem que estivemos em x dia a x hora a tratar de assuntos do seu educando e uma grande parte das vezes há cumplicidades, silêncios e sorrisos, que não cabem naquele rectângulo estúpido como todos os rectângulos estúpidos que reduzem tudo a estatísticas que se dissiparão algures num relatório igualmente estúpido capaz de provocar frémitos de alegria em barras coloridas na vertical que se julga indicar coisas, estúpidas também elas. Valem zero.
Sentou-se algumas vezes à minha frente, esta mulher de rosto doce e discretamente alegre e modos também  doces e sempre educados. Nunca precisou de me dizer que o seu regaço era grande e generoso. Era-o. Falávamos do que falam duas mulheres, uma professora e outra mãe. Via-a algumas vezes ao ir para a escola quando ela continuava  mãe e eu professora mas já não do filho que fez com que os nossos caminhos se tivessem cruzado. Cumprimentavamo-nos na fugacidade dos dias que nos devoram e que a haviam de devorar numa madrugada de crueldade sem explicação. Tinha 50 anos. A mulher, mãe dedicada, continua comigo. Amanhã recebê-la-ei na sala de directores de turma com hora marcada e depois de amanhã vou vê-la a passar na rua do lado direito quando eu for a caminho da escola. Sorriremos uma para a outra, eu dentro do carro, ela fora, e entender-nos-emos sem mais, como fizemos antes. Amanhã.


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