6 Aug 2019

Crónicas do sono #7


És tu outra vez, sorrateiro dos infernos. Mordiscaste-me os tornozelos enquanto me derrubava nuns afazeres, quase garantiria que me lambeste a panturrilha que trago nua neste estio arredio. Eu sei que eras tu. Não negues. Agora que espero um outro afazer e me abandono no sofá, fizeste-te convidado e impuseste-te. As mãos firmes na cintura que deixaste escorregar pela ânfora das minhas ancas quando me levantei resoluta. Sabes bem, esses humores de aparecer quando queres cansam-me, irritam-me e às vezes apetece-me deitar-te fora quando vou ao lixo, não mereces muito mais, ou levar-te comigo quando caminho junto ao mar e libertar-te lá do alto, em dias menos maus, que ficasses com as gaivotas. Chato impertinente. Se viesses à noitinha, na hora dos silêncios, podíamos ser tão felizes, amaciar-me-ia em ti, largaria sonhos e pesadelos e em uníssono inspiraríamos a noite e o luar, estrelas e constelações, que Vénus nos abençoasse e Júpiter nos protegesse. Não insistas agora. Vai -te embora, sono matreiro. Vai -te, fico com o silêncio, não contigo.

No comments:

Post a Comment