12 Nov 2019


Os canais e as cornijas, as casas estreitas, quase em equilíbrio instável, os espaços verdes, a proverbial tolerância que não se estende ao resto da Holanda, e bicicletas omnipresentes, eis Amesterdão. Pode ser muito bela, sim, mas pode ser austera e gélida, coberta por mantos densos de humidade pesada. A primeira vez era Inverno, março talvez, uma visita fugaz num dia de muito frio. Da segunda vez fazia setembro e todos os dias foram dias de muito frio. Um setembro áspero no ano de todas as solidões antes dos setembros vindouros de céus rubros e dias luminosos. Nesses dias longos de céu cinzento o tempo estava do meu lado. Tempo para calcorrear a cidade. Tempo para me procurar. Tempo de ver e sentir. Sobrou-me a espaços, eu era de mais para o tempo e o tempo para mim, guardava-o como se o reutilizasse mais tarde, não precisava de tanto, pedaços que podia oferecer, sobra-me este bocado, pode fazer-te falta, leva, mas o tempo não se guarda, não se deixa guardar e pairava em mim como roupa desajustada, espaços lassos por onde entrava a humidade de setembro cinzento dos canais. Nos meus caminhos avistava ao longe o Nemo e o Museu Marítimo e cruzava pontes e canais sempre acompanhada de tempo e da solidão, tive em demasia nesse ano também. Quanto mais bela a cidade mais dolorosa a solidão e Amesterdão é bela. Levava o tempo e a solidão a museus, monumentos, sítios, ruas na esperança de que a arte os acalmasse e mitigasse o sentimento estranho de fim, de verão, de um tempo, de uma vida. Num desses dias fui ao Museu Van Gogh, tão previsível como o ocaso dos dias e lá andei, falando de mim para mim, comentando com o tempo e a solidão. Pôs-se almoço e encontrei conforto numa sopa de #tomate com pimenta preta no silêncio do restaurante do museu, quente, reconfortante, luminosa, antídoto improvável na cidade que se mede por solidões.

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