Os canais e as cornijas,
as casas estreitas, quase em equilíbrio instável, os espaços verdes, a
proverbial tolerância que não se estende ao resto da Holanda, e bicicletas
omnipresentes, eis Amesterdão. Pode ser muito bela, sim, mas pode ser austera e
gélida, coberta por mantos densos de humidade pesada. A primeira vez era
Inverno, março talvez, uma visita fugaz num dia de muito frio. Da segunda vez
fazia setembro e todos os dias foram dias de muito frio. Um setembro áspero no
ano de todas as solidões antes dos setembros vindouros de céus rubros e dias
luminosos. Nesses dias longos de céu cinzento o tempo estava do meu lado. Tempo
para calcorrear a cidade. Tempo para me procurar. Tempo de ver e sentir.
Sobrou-me a espaços, eu era de mais para o tempo e o tempo para mim, guardava-o
como se o reutilizasse mais tarde, não precisava de tanto, pedaços que podia
oferecer, sobra-me este bocado, pode fazer-te falta, leva, mas o tempo não se
guarda, não se deixa guardar e pairava em mim como roupa desajustada, espaços
lassos por onde entrava a humidade de setembro cinzento dos canais. Nos meus
caminhos avistava ao longe o Nemo e o Museu Marítimo e cruzava pontes e canais
sempre acompanhada de tempo e da solidão, tive em demasia nesse ano também.
Quanto mais bela a cidade mais dolorosa a solidão e Amesterdão é bela. Levava o
tempo e a solidão a museus, monumentos, sítios, ruas na esperança de que a arte
os acalmasse e mitigasse o sentimento estranho de fim, de verão, de um tempo,
de uma vida. Num desses dias fui ao Museu Van Gogh, tão previsível como o ocaso
dos dias e lá andei, falando de mim para mim, comentando com o tempo e a
solidão. Pôs-se almoço e encontrei conforto numa sopa de #tomate com pimenta
preta no silêncio do restaurante do museu, quente, reconfortante, luminosa,
antídoto improvável na cidade que se mede por solidões.
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