Dizia-se na aldeia que a
dona da padaria tinha um feitio pouco apaziguador, que não guardava para si o
que lhe não agradava e que a #urbanidade era parca ou inexistente no tratamento
dos empregados. E fiquei a saber de tudo isto porque, um dia na mercearia entre
a maçã e 'amêxa', alguém terá dito que a dona da padaria tinha moído o juízo de
tal forma a uma empregada, já não rapariga nova, que a pobre estava mal dos
'nerbos'. A dona da padaria era uma mulher pequena, morena, magra e com o
despacho característico das mulheres na aldeia. Jamais ficararia quieta se
pudesse andar e jamais se calaria se pudesse falar. Foi assim também que
relatou um dos seus partos. Ao que parece, terá rezado a cartilha ao clínico, o
homem assustado actuou a contento e também sei isto, não porque eu e a dona da
padaria sejamos íntimas. Sei isto porque a dona da padaria, um dia enquanto
aviava as carcaças e as bolas, relatou esse momento de excelsa elegância que
algumas mulheres gostam de relatar: o parto, essa odisseia de esgares, gritos,
fluidos, bolsas de sei lá quê que se derramam por uma mulher desprevenida
abaixo, médicos, médicas, enfermeiros e enfermeiras a espreitar mistérios
insondáveis da natureza feminina, contracções, dilatações e expulsões, valha-me
a santa, para que é precisa a inquisição, se se pode parir? E assim foi que, de
olhar vivo, explicou, fluente e experiente na desova, como tinha sido.
Na padaria, o pão não
era sempre o mesmo. O pão era sempre o mesmo, mas a denominação ia variando,
portanto não bastava apenas falar-se a língua dos homens, havia que dominar o
código, as nuances, as particularidades, as subtilezas. O que num outro lugar é
denominado de papo-seco, na padaria não se resumia a esta sensaborona
classificação. Uma ocasião, e após ter sido convenientemente informada de mais
uma alteração da nomenclatura, entrei já tarde na padaria, numa hora do dia em
que o pão habitualmente já teria sido todo vendido e perguntei à dona da
padaria se ainda havia pão. Impunha-se a utilização da nomenclatura
recentemente adoptada e, mesmo sentindo que talvez estivesse a perguntar o
óbvio, algo visivelmente exposto à minha frente, arrisquei 'Tem maminhas?' A
mulher não se ficou e atirou-me 'Não quer mesmo que lhe responda, pois não?'
Trocámos um sorriso cúmplice e perguntei 'Então, mas como é que se chama esse
pão?' A mulher retorquiu 'Bicos! Ah muito bem! Então e há bicos?' A mulher
disse 'Não sei se o padeiro vai cozer mais pão hoje'. Pedi-lhe 'Então, veja lá,
se faz favor, se o padeiro vai fazer mais bicos hoje...' No meu tempo, padeiro
fazia pão. Bicos eram deixados, se não para outras ocasiões, definitivamente
para outras áreas profissionais.
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