20 Dec 2019

doze, dez, dezoito, onze, treze, oito


Eram 9.30 quando olhei para o relógio e continuava tudo na mesma. A horta nas minnhas costas, o lago do lado direito, um pullover avermelhado na minha frente e a calma, ‘eu na alma tenho a calma’, como se tivéssemos todo o tempo do mundo. Não tínhamos. Do lado direito alguém suspira no meu próprio desespero, e leio no formulário Daisy e penso “Olha, Daisy, quando eu morrer tu hás-de/ Dizer aos meus amigos ai de Londres, /Que embora não o sintas, tu escondes / A grande dor da minha morte.” Alguém se lembra de algo pelas 9.37 e eu penso que estes sete minutos mais pareceram quarenta e não vejo fim a isto. Lá fora a tempestade amainou, ainda não é o tempo das rãs, as sementes deitadas à terra recolheram-se no coito da natureza, a metamorfose dar-se-á quando no universo se fará solstício, e eu me reinventarei como se Primavera fosse. Depois discutimos todos se um é artigo definido ou numeral, eu evoco a sageza e a soberania da professora de Português em matéria da língua de Camões mas nem assim houve consenso. Prosseguimos como um comboio que parte da plataforma, demorada, lenta, pausadamente, e vêm números que se libertam no éter: doze, dez, dezoito, onze, treze, oito, o número de horas que preciso para me reencontrar na eucaristia de mim neste dia húmido de dezembro. Começo a partir da plataforma. Demorada, lenta, pausadamente. Adeus.

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