Eram 9.30 quando olhei para o
relógio e continuava tudo na mesma. A horta nas minnhas costas, o lago do lado
direito, um pullover avermelhado na minha frente e a calma, ‘eu na alma tenho a
calma’, como se tivéssemos todo o tempo do mundo. Não tínhamos. Do lado direito
alguém suspira no meu próprio desespero, e leio no formulário Daisy e penso “Olha,
Daisy, quando eu morrer tu hás-de/ Dizer aos meus amigos ai de Londres, /Que
embora não o sintas, tu escondes / A grande dor da minha morte.” Alguém se
lembra de algo pelas 9.37 e eu penso que estes sete minutos mais pareceram
quarenta e não vejo fim a isto. Lá fora a tempestade amainou, ainda não é o
tempo das rãs, as sementes deitadas à terra recolheram-se no coito da natureza,
a metamorfose dar-se-á quando no universo se fará solstício, e eu me
reinventarei como se Primavera fosse. Depois discutimos todos se um é artigo definido
ou numeral, eu evoco a sageza e a soberania da professora de Português em
matéria da língua de Camões mas nem assim houve consenso. Prosseguimos como um
comboio que parte da plataforma, demorada, lenta, pausadamente, e vêm números
que se libertam no éter: doze, dez, dezoito, onze, treze, oito, o número de
horas que preciso para me reencontrar na eucaristia de mim neste dia húmido de
dezembro. Começo a partir da plataforma. Demorada, lenta, pausadamente. Adeus.
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