19 Dec 2019

Os olhos tristes do Aurélio

Há muito barulho à minha volta. Em frente a janela, um bloco de prédios azul, a intempérie visível na dança da palmeira perto do lago que não vejo mas sei que lá estava pelas 14.25 quando cheguei. Os deuses mudam tudo a seu bel-prazer e podem tê-lo protegido na casinha do cão que não existe, nem a casinha nem o cão. Começa tudo com muito barulho. Sou informada de que tinha feito merda, o que não é de surpreender no que toca a formulários, e ainda menos surpreendente se me der para usar a razão e o pragmatismo, ambos se dão pessimamente em contextos alimentados pela profusão superlativa de papéis mas revelo pouca progressão na aprendizagem, receio até que me apliquem um programa qualquer para ultrapassar as minhas dificuldades, devo empenhar-me mais para atingir os objectivos. Refaço o papel reclamando sempre, e também não sei porque reclamo sempre, advirá desta minha fraca progressão na aprendizagem, por certo. Depois declamámos uns nacos de prosa pré-feita e a professora de alemão reclamou mais uma vez, diz que não era 'postura', era 'atitude', raios partam a mulher mais a mania das palavras, e perorámos todos sobre a postura e atitude, uns falaram do corpo e isso, houve quem se endireitasse na cadeira por causa da postura, uma atitude bonita de se ver. Por esta altura continuávamos a falar todos e muito, e fomos advertidos que se nos calássemos, acabaríamos em cinco minutos, o que não aconteceu. Depois parimos e revimos mais prosa. Por esta altura a professora de alemão já estava cansada e não quis saber de postura nem de atitude nem mesmo de prosa e de palavras. Lá fora a intempérie agudizava-se. Ela pensou no lago e na casinha do cão e no presépio, na Quitéria que andava meio perdida, no Antonino que só ouvia metade, no Paulino vencido pela timidez, nas aventuras do Antonino e do Mário, nas sonecas do Rogério, nos olhos tristes do Aurélio. Lá fora pôs-se noite. Até amanhã, colegas. O lago continuava no mesmo sítio. 

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